domingo, 29 de maio de 2016
Livros- Lygia Fagundes Telles
Tenho que confessar, tristemente, li tão pouco Lygia, minha formação, meus interesses, enfim!
Agora, sendo homenageada da Feira do Livro, Lygia virou objeto desejado e de estudo.
Comecei com os contos, onde a escritora é mestra, mas pretendo progredir para os romances.
Lygia tem uma escrita intensa , ritmo vertiginoso em linguagem bem cuidada, mas recheada de coloquialismos.
São histórias tocantes, em sua maioria sobre mulheres.
A autora veste-se com a pele de seus personagens e podemos, assim também, sentí-los e vivê-los.
Um de seus romances mais famosos é "As Meninas" história de três universitárias que transitam por seus interesses pessoais no panorama da ditadura, publicado em 1971.
É dele este pequeno trecho, na voz da personagem Lia:
" Recuperáveis, são os casos recuperáveis. Fim. Os loucos menos loucos, esses que nem a gente.Uma neurose que não chama muita atenção porque faz parte. Enquanto o neurótico puder trabalhar e amar esta loucura razoável, qual é o problema. Mas quando ultrapassa aquela linha fininha como um fio de cabelo, do cabelo de Lorena de tão fino. Quando pisa um pouco para fora e mergulha nas águas amarelas. Kaput."
O conto que amei foi " A estrutura da bolha de sabão".
Quero mais !
Lygia, foi indicada pela UBE- União Brasileira de EScritores para concorrer ao Nobel de literatura.
Ela é uma das mais antigas associadas da entidade.
Sua história é de uma mulher ativa, interessada e participativa nas questões sociopolíticas.
Formada em direito pela São Francisco, conviveu intensamente com o meio intelectual da época.
Deixo aqui uma breve biografia pinçada da publicação da UBE:
Nascida no dia 19 de abril de 1923, a paulistana Lygia Fagundes Telles estreou cedo na literatura. Em 1938 publicou seu primeiro livro de contos “Porões e sobrados”, cuja edição foi financiada por seu pai. Lygia fez parte da chamada Geração de 45, ao lado de autores como João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Mário Quintana, Ariano Suassuna, dentre outros.
Em 1944 publicou “Praia Viva”, que teve grande repercussão. Em 1952, começou a escrever seu primeiro romance, “Ciranda de pedra”.
A escritora recebeu importantes prêmios como o “Jabuti” (2005) e “Camões” (1966 e 1974), além de ter suas obras traduzidas em diversos idiomas.
Recém-indicada pela União Brasileira dos Escritores (UBE) ao Prêmio Nobel de Literatura, Lygia é uma referência nacional e internacional. A escritora marcou a literatura brasileira e teve boa parte de suas obras adaptadas para o cinema, teatro e televisão.
sexta-feira, 27 de maio de 2016
A Ética.
Ah! Ando meio chateada com o que está acontecendo no país.
Vejo pessoas defendendo seus ideais com unhas e dentes como
se isso pudesse fazer alguma diferença aqui, ao rés do chão.
Não é brigando com você , que é como eu, que vou consertar o
país.
Posso me unir a você , ou a outros, e manifestar minha
opinião mas , acima de tudo, é preciso que eu não perca a real chance de me
manifestar, a urna, o voto.
O que acontece hoje é uma tragédia que espero que sirva de
alerta aos governantes, aos poderosos, aos políticos, às classes economicamente
dominantes.
É preciso considerar a ética, o respeito, a honestidade.
É preciso ser coerente!
É preciso ser coerente!
Trazendo de volta, para este nosso mundinho pequeno e, ao
mesmo tempo vasto, da “rede”, o assunto ética, digo que é preciso tê-la sempre
presente.
Segundo Cortella a questão ética tem que responder três questões: quero?, posso? devo?
Segundo Cortella a questão ética tem que responder três questões: quero?, posso? devo?
É preciso cuidar do comportamento e da maneira de expressão.
Tem sido absolutamente desagradável, decepcionante,
descobrir entre os conhecidos, por postagens na rede social, pessoas invejosas
e maledicentes, faces até então guardadas por estes, sendo até opostas às que
são mostradas em outros meios sociais.
Será que pensamos que estamos sozinhos para nos manifestarmos
sem receio de expor nosso pior lado?
Todos temos tudo dentro de nós, prevalece o que alimentamos, e o quanto somos hábeis em dominar nossas feras.
Nem pensem que sou perfeita! Ninguém é!
Nem pensem que sou perfeita! Ninguém é!
Às vezes temos a intenção de estarmos em ambiente privado
mas, nos dias de hoje, com a tecnologia, os celulares, os vídeos, as gravações
telefônicas, podemos estar em público de maneira inesperada e indesejada.
Nús com a mão no bolso.
Por isso, cuidemos de nossa condução, nossos bons modos,
nosso respeito e gentileza para com todos.
No convívio social estamos em público.
E, para que isso não nos pese, façamos deste comportamento
um hábito.
Sejamos bons.
Penso que só temos a ganhar com isso.
Beijo, de quem já recebeu e enviou mensagem por engano, e
sabe como não é agradável, descobrir como podem ser grosseiros os fidalgos, quando pensam que se acham em intimidade.
Eliane Ratier
PS: Nada contra quem deliberadamente escolhe mostrar seu
pior lado, soltar suas feras. Acho até autêntico e corajoso, sabemos, assim, direitinho com quem estamos lidando.
domingo, 22 de maio de 2016
Livros- O Guardador de Abismos- Antonio Ventura
Ventura, o poeta, agora em textos curtos.
Um mosaico de seu mundo muito bem apresentado pelo prefácio de Carlos Nejar.
Livro muito bem cuidado, papel, letras, acabamento, detalhes, ilustrações.
Destaco uma frase do texto " Delicadeza"
"O destino da nuvem é ser livre dentro de seus limites."
quarta-feira, 18 de maio de 2016
O Plano Municipal do Livro, Leitura e Bibliotecas
Poder participar de algo assim é muito gratificante.
Ainda que nenhuma palavra vire ação, o que seria absolutamente triste, o sonho , o desejo, o plano é de uma beleza inequívoca.
Sonhar, desejar, planejar uma cidade melhor, com mais oportunidades para o livro e a leitura, com empenho da sociedade e do poder público é também o sonho íntimo e pessoal.
O plano está sendo proposto pela sociedade civil, por iniciativa da Fundação do Livro, que convoca e sedia as reuniões.
Tenho ido à elas como representante da UBE- União Brasileira de EScritores, núcleo de Ribeirão Preto, que coordeno, e como representante da Alarp- Academia de Letras e Artes de Ribeirão Preto da qual sou secretária da diretoria.
Ali encontro especialistas no assunto , educadores, representantes de outros segmentos e casas, todos participando respeitosamente.
O aprendizado é imensurável e a convivência riquíssima.
Estamos finalizando o trabalho pelas mãos da incansável Adriana Silva, presidente da Fundação, entre outras importantes atribuições.
A esperança é de que o Plano seja abraçado pela sociedade e o poder público e que nós, comissão, continuemos a cuidar dele.
Sou grata por poder participar.
domingo, 15 de maio de 2016
Livros- A Navegante- Débora Ventura
Lindo livro, papel, letra, ilustrações.
Poemas de Débora, serenos, percorrendo seus caminhos.
Deixo aqui um deles.
Aliança
A terra que carrego na mão me pertence
porque minha mão é verdadeira
e cresce a semente que você plantou.
A pele que cobre meu corpo é extensa,
e o meu amor maior, porque ele cresce
com a seiva de cada beijo.
Sigo seus passos nessa terra fértil
porque meu coração vive
e suas veias hoje são raízes.
quarta-feira, 11 de maio de 2016
Nossa História na Biblioteca
![]() |
Nelson Jacintho, Eliane Ratier, Iara e Felipe |
O título é o nome de um projeto que acontece na Biblioteca Padre Euclides, voltado para os estudantes de escolas municipais oferecido pela ong Sara, que propõe a eles o conhecimento de histórias para recontá-las, como escritores. O produto do trabalho será um livro artesanal a ser lançado durante a 16ª Feira do Livro de Ribeirão Preto.
Fui convidada pela Fundação do Livro e Leitura, junto com o escritor Nelson Jacintho, para conversar com estes alunos e falar um pouco sobre como é ser escritor.
O encontro foi de riqueza ímpar, não só pela escuta atenta da platéia, 40 alunos por volta dos 12, 13 anos, suas perguntas, sua receptividade carinhosa, sua energia juvenil, mas também pela oportunidade de estar com um colega e saber de suas opiniões e caminhos, ás vezes coincidentes, outras não, mas sempre válidas.
Foi um imenso prazer!!
Agradeço ao Felipe , da ong, e à Iara da Fundação pelo convite e anuncio que quero mais.
domingo, 8 de maio de 2016
Livros- A desumanização- Valter Hugo Mãe
Valter Hugo Mãe é um dos meus autores prediletos.
Nascido angolano, jovem de 1971, criado e estudado em Portugal.
Com seu estilo muito próprio, poético, intenso e profundo, Valter nos questiona e causa espanto.
Quando acabei de ler este livro , fui tomada pela emoção, daquelas que paralisam e que tememos que se desvaneça no ar caso alguma outra palavra, outro som ou imagem diferente apareçam na mente e quebrem o encanto.
O assunto do livro é árduo, achei que estava pronta para ele, mas não.
Também eu, como o autor , tenho a mesma relação com o tema.
O começo foi difícil e assustador.
A história se passa na Islândia, tão desconhecida e distante, que até parece ficcional, como os nomes.
Há uma irmã viva e uma morta, e as histórias de extrema dor, a dor que todos carregamos, mas que, da maneira com que é tratada, não nos choca, nos iguala humanos e desperta em nós uma ternura imensa pelas tristezas , dúvidas e impotências, que conhecemos tão bem.
Em meio a tudo isso aparece o livro, a palavra , o poema, assunto tão querido, em sua importância vivificante.
Assim é " Desumanização", próprio, dolorido e terno, recém lido e ainda desejado.
Trecho
" Os livros tinham dentes e presas afiados e comiam gulosamente as pessoas. Começavam os fogos com páginas arrancadas...Ardiam as páginas dos livros como se pudessem levar com elas as histórias que não queriam mais lembrar.
...
Abracei meu pai. Não tinha qualquer poema para me dar. Não tinha nada."
quinta-feira, 5 de maio de 2016
Em destaque
Foi uma honra e uma felicidade participar da matéria comemorativa dos 30 anos de aniversário da revista Revide.
Agradeço o convite e a lembrança, mas mais do que isso, agradeço a iniciativa de colocar em foco os talentos desta terra do Ribeirão Preto, que os tem, em todas as áreas, sem nada a dever a outras terras, inclusive as capitais e as estrangeiras.
Não me canso de falar disso.
Os artistas que aqui vivem e produzem tem qualidade.
É hora de conhecê-los e reconhecê-los.
Para a matéria, aqui: http://www.revide.com.br/noticias/revide-30-anos/maos-que-inspiram/
terça-feira, 3 de maio de 2016
O trabalho
Dia primeiro foi Dia do Trabalho,
Um feriado incompreensível para mim, que penso que o dia tinha que ser comemorado no trabalho e não longe dele.
Neste ano foi domingo e passou quase invisível não fossem os supermercados e shoppings fechados.
Estou aposentada. Tanto tempo ansiando por dias sem horário!
Só agora descubro que horário de trabalho garante o horário de descanso e o horário privado.
Sem horário de trabalho, todas as horas o são.
O descanso parece desnecessário para quem já não trabalha oficialmente como eu.
Quer saber? O oficial dava muito menos trabalho.
Sempre deu! Por isso esta invenção de moda que é a minha vida.
Agora sou minha própria funcionária e sou patroa exigente pois sei da capacidade dos que para mim trabalham.
Assim vamos levando, trabalhando às vezes feliz, outras empurrada, mas não emburrada, não faço mais o que não quero, muitas outras frustrada por não fazer tudo o que quero, e sei que posso.
No meu local de trabalho, há uma mesa cheia de projetos em andamento , uma gaveta com outros tantos aguardando suas datas, um coração de inesgotáveis desejos e uma mente que vislumbra infinitas possibilidades.
Ainda tenho problemas com o tempo, que tem seu próprio tempo, e com as convenções práticas tipo hora para comer, dormir, sair, voltar, hora para fazer isto e aquilo, que são males necessários.
Falta-me experimentar o tempo sem tempo, os dias sem demarcação, embora saiba de antemão, que talvez sejam deliciosos, mas dificilmente serão produtivos.
Precisamos mesmo de um cabresto, um chicote, um relógio, um comando, para realizar, nem que seja interno, de mando próprio.
Ah! Mas não custava ter um pouquinho de ócio.
Brindo o dia festivo com meu café, que creio ter em sua composição altas doses de coragem.
Viva!
domingo, 1 de maio de 2016
Livros- Histórias da Vó Ná- Maria Helena Sato
No final de novembro de 2015 tive a boa oportunidade de conhecer a escritora Maria Helena Sato e conhecer também sua obra.
A gentil escritora presenteou-me com dois livros, um deles as Histórias da Vò Ná.
Este livro vai ser trabalhado em escolas.
Há também uma peça teatral como parte deste trabalho.
Certamente continuará fazendo sucesso junto às crianças pelo formato e o conteúdo.
Minha história predileta é a da indiazinha Ayrumã, que emociona com a percepção de que as pessoas, quando se importam com as outras, ou as admiram, respeitam, amam, crescem nos corações umas das outras.
Um encanto.
Parabéns Maria Helena e grata pelo presente.
domingo, 24 de abril de 2016
Livros- Soluções de Palhaços- Morgana Masetti
Faz tempo que este livro estava em casa, sempre adiado, mesmo sendo tão bonito.
Um livro sobre a experiência humanizadora dos palhaços, "Doutores da Alegria", que visitam hospitais agindo terapeuticamente sobre os doentes e o ambiente hospitalar.
Um encanto, emocionante, cheio de referências e convites à reflexão.
Mais que adorável!!
Lindo trabalho!!
terça-feira, 19 de abril de 2016
Manuel Bandeira

Hoje é o aniversário de Manuel Bandeira, 19 de abril.
Falo é, no presente, porque quem nos marca é eterno.
Em 2009, fazendo saraus na Paraler, homenageamos Manuel, e foi lindo, havia a árvore, varrida pelo vento, e as folhas eram seus poemas.Lembro-me bem do saudoso Djalma Cano lendo Manuel.
Estou publicando parte do roteiro deste sarau no blog da Revide, http://www.revide.com.br/blog/eliane-ratier/ , e vou colocar aqui, como minha especial homenagem ao poeta, o roteiro completo para celebrarmos, revivermos, recordarmos os momentos felizes que passamos juntos, nós amigos sob a inspiração de Manuel Bandeira.
Manuel Bandeira
Manuel nasceu em 19 de abril de de 1886 no, para ele, inesquecível Recife.
Até os 18 anos mudou-se para o Rio, novamente para Recife e
depois para São Paulo, mas suspeito que
o menino Manuel continua brincando em frente á casa de seu avô na rua União,
correndo pela rua do Sol até o cais da rua Aurora, ás margens do Capibaribe.
Evocação do Recife
Evocação do Recife
Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois - Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois - Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê na ponta do nariz
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras, mexericos, namoros, risadas
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam:
Coelho sai! Não sai!
A distância as vozes macias das meninas politonavam:
Roseira dá-me uma rosa
Craveiro dá-me um botão
(Dessas rosas muita rosa
Terá morrido em botão...)
Terá morrido em botão...)
De repente
nos longos da noite
um sino
Uma pessoa grande dizia:
Fogoem Santo Antônio !
Outra contrariava: São José!
Totônio Rodrigues achava sempre que era são José.
Os homens punham o chapéu saíam fumando
E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo.
Uma pessoa grande dizia:
Fogo
Outra contrariava: São José!
Totônio Rodrigues achava sempre que era são José.
Os homens punham o chapéu saíam fumando
E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo.
Rua da União...Como eram lindos os nomes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame do dr. Fulano de
Tal)
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
...onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
...onde se ia pescar escondido
Capiberibe
Capiberibe
- Capibaribe
Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Banheiros de palha
Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu
Foi o meu primeiro alumbramento
Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu
E nos pegões da ponte do trem de ferro os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras
Novenas
Cavalhadas
E eu me deitei no colo da menina e ela começou a passar a mão nos meus cabelos
Capiberibe
Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Banheiros de palha
Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu
Foi o meu primeiro alumbramento
Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu
E nos pegões da ponte do trem de ferro os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras
Novenas
Cavalhadas
E eu me deitei no colo da menina e ela começou a passar a mão nos meus cabelos
Capiberibe
- Capibaribe
Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas
Com o xale vistoso de pano da Costa
E o vendedor de roletes de cana
O de amendoim
Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas
Com o xale vistoso de pano da Costa
E o vendedor de roletes de cana
O de amendoim
que se chamava midubim
e não era torrado era cozido
Me lembro de todos os pregões:
Ovos frescos e baratos
Dez ovos por uma pataca
Foi há muito tempo...
Me lembro de todos os pregões:
Ovos frescos e baratos
Dez ovos por uma pataca
Foi há muito tempo...
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada
A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem
Terras que não sabia onde ficavam
Recife...
Rua da União...
A
casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
Recife...
Meu avô morto...
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro como a casa de meu avô
Meu avô morto...
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro como a casa de meu avô
Libertinagem 1930
Para ouvir o poema recitado pelo próprio Bandeira:
http://www.cosacnaify.com.br/noticias/mb_50poemas.asp
Manuel moço estuda para ser
arquiteto, mas a notícia funesta que o espreita impede a realização do sonho
paterno. É diagnosticado tuberculoso aos 18 anos de idade.
Pneumotórax
Pneumotórax
Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire.
- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
Manuel escreve versos como quem morre, mas sobreviveu á
todos, pai, mãe, avô e até á querida irmã que zelava por ele. Os médicos não
entendiam como alguém com um pulmão tão prejudicado pela doença estava bem de
saúde e assim ficou até os 82 anos.
Desencanto
Desencanto
Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha meu livro, se por agora
Não tens motivo algum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
- Eu faço versos como quem morre.
De desalento... de desencanto...
Fecha meu livro, se por agora
Não tens motivo algum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
- Eu faço versos como quem morre.
A doença o leva à tratar-se nos Alpes franceses, onde ele
conhece grandes artistas internacionais, padecentes do mesmo, popular e
fatal mal, bem , nem tão fatal pois
muitos sobreviveram para fazer a história.
Sua saúde estabiliza-se e Bandeira faz da poesia o sentido
de sua vida.
Sua mente cresce em velocidade vertiginosa á beira desta
janela aberta para a cultura vanguardista européia.
Volta ao Brasil por imposição da guerra de 1914, mas
continua ligado ao pensamento europeu através de suas leituras dos clássicos,
principalmente os franceses.
Aprimora-se, escreve, publica, sempre ás próprias custas.
São palavras do autor:
“ quando caí doente em 1904, fiquei certo de morrer dentro
de pouco tempo: a tuberculose era ainda
o “mal que não perdoa”. Mas fui vivendo, morre-não-morre, e em 1914 o Dr
Bodmer, médico chefe do sanatório de Clavadel, tendo-lhe eu perguntado quantos
anos de vida me restariam, respondeu-me sorrindo; “ o sr tem lesões
teoricamente incompatíveis com a vida; no entanto está sem bacilos, come bem,
dorme bem, não apresenta, em suma, nenhum sintoma alarmante. Pode viver cinco,
dez, quinze anos...Quem poderá dizer?...”
Continuei esperando a morte para qualquer momento, vivendo
sempre como que provisoriamente. Nos primeiros anos da doença me amargurava
muito a idéia de morrer
Sem ter feito nada: depois a forçada ociosidade. Se
publiquei em 1917 A
Cinza das Horas, foi para, de certo modo, iludir o meu sentimento de vazia
inutilidade. Este só começou a se dissipar quando fui tomando consciência da
ação dos meus versos sobre amigos e principalmente sobre desconhecidos.”
Conhece os modernistas através de Mario de Andrade, que
carinhosamente o chamava de Manú, o que lhe dava um ar assim indiano, e mesmo
não tendo participado da famosa semana de arte moderna de 1922, teve seu poema “Os Sapos”, lido nas escadarias do teatro municipal
, por Ronald de Carvalho, causando grande alvoroço, como suponho que era
desejado.
Os
Sapos
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."
Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."
Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...
Posteriormente vai à São Paulo e
conhece todos os modernistas. Embora declarasse que não tinha nada contra a
estética poética vigente, seu texto o desmentia escandalosamente.
Poética
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
Deste encontro fica a forte amizade entre ele e Jaime Ovale,
que rendeu parceria musical, que seria repetida com Villa Lobos e outros
artistas. Manuel adorava música e chegou a dizer que “ sinto que na música é
que conseguiria exprimir-me
completamente”
Azulão: Manuel Bandeira , Jayme Ovalle
Manuel modernista na forma e na temática, a crônica em forma
de poema, as palavras inventadas, a temática mundana.
Poema
Tirado de uma Notícia de Jornal
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro
da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
Momento
Num Café
Quando o
enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes na vida.
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes na vida.
Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta.
"O cacto"
Aquele cacto lembrava os gestos [desesperados da estatuária:
Laocoonte constrangido pelas serpentes,
Ugolino e os filhos esfaimados.
Evocava também o seco nordeste, [carnaubais, caatingas...
Era enorme, mesmo para esta terra de [feracidades excepcionais.
Laocoonte constrangido pelas serpentes,
Ugolino e os filhos esfaimados.
Evocava também o seco nordeste, [carnaubais, caatingas...
Era enorme, mesmo para esta terra de [feracidades excepcionais.
Um dia um tufão furibundo abateu-o pela raiz.
O cacto tombou atravessado na rua,
Quebrou os beirais do casario fronteiro,
Impediu o trânsito de bondes, automóveis, [carroças,
Arrebentou os cabos elétricos e durante vinte [e quatro horas privou a cidade de iluminação [e energia:
- Era belo, áspero, intratável.
Manuel morou no Rio, no beco das Carmelitas, escreve poema
pedindo o calçamento da rua e é
atendido, imortaliza o beco dos violões, instrumento que ele tocava, numa
homenagem poética.
(Mas, sobre o transe,
prossegue Mendes,) foi no dia de se mudar de lá, exausto após a arrumação, que
ele conta como se deu o fenômeno: “De
repente a emoção se ritmou em redondilhas, escrevi a primeira estrofe, mas na
hora de vestir-me para sair, vesti-me com os versos surdindo na cabeça, desci à
rua, no Beco das Carmelitas me lembrei de Raul de Leoni, e os versos vindo
sempre, e eu com medo de esquecê-los . Tomei um bonde, saquei do bolso um
pedaço de papel e um lápis, fui tomando as minhas notas numa estenografia
improvisada, senão quando lá se quebrou a ponta do lápis, os versos não
paravam... Chegando ao meu destino pedi um lápis e escrevi o que ainda guardava
de cor... De volta à casa, bati os versos na máquina e fiquei espantadíssimo ao
verificar que o poema se compusera, à minha revelia, em sete estrofes de sete versos de sete sílabas”.
( Murilo Mendes)
Poema
do Beco
Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do
horizonte?
- O que eu vejo é o beco.
- O que eu vejo é o beco.
Última
Canção do Beco
Beco que cantei num dístico
Cheio de elipses mentais,
Beco das minhas tristezas,
Das minhas perplexidades
(Mas também dos meus amores,
Dos meus beijos, dos meus sonhos),
Adeus para nunca mais!
Vão demolir esta casa.
Mas meu quarto vai ficar,
Não como forma imperfeita
Neste mundo de aparências:
Vai ficar na eternidade,
Com seus livros, com seus quadros,
Intacto, suspenso no ar!
Beco de sarças de fogo,
De paixões sem amanhãs,
Quanta luz mediterrânea
No esplendor da adolescência
Não recolheu nestas pedras
O orvalho das madrugadas,
A pureza das manhãs!
Beco das minhas tristezas.
Não me envergonhei de ti!
Foste rua de mulheres?
Todas são filhas de Deus!
Dantes foram carmelitas...
E eras só de pobres quando,
Pobre, vim morar aqui.
Lapa - Lapa do Desterro -,
Lapa que tanto pecais!
(Mas quando bate seis horas,
Na primeira voz dos sinos,
Como na voz que anunciava
A conceição de Maria,
Que graças angelicais!)
Nossa Senhora do Carmo,
De lá de cima do altar,
Pede esmolas para os pobres,
Para mulheres tão tristes,
Para mulheres tão negras,
Que vêm nas portas do templo
De noite se agasalhar.
Beco que cantei num dístico
Cheio de elipses mentais,
Beco das minhas tristezas,
Das minhas perplexidades
(Mas também dos meus amores,
Dos meus beijos, dos meus sonhos),
Adeus para nunca mais!
Vão demolir esta casa.
Mas meu quarto vai ficar,
Não como forma imperfeita
Neste mundo de aparências:
Vai ficar na eternidade,
Com seus livros, com seus quadros,
Intacto, suspenso no ar!
Beco de sarças de fogo,
De paixões sem amanhãs,
Quanta luz mediterrânea
No esplendor da adolescência
Não recolheu nestas pedras
O orvalho das madrugadas,
A pureza das manhãs!
Beco das minhas tristezas.
Não me envergonhei de ti!
Foste rua de mulheres?
Todas são filhas de Deus!
Dantes foram carmelitas...
E eras só de pobres quando,
Pobre, vim morar aqui.
Lapa - Lapa do Desterro -,
Lapa que tanto pecais!
(Mas quando bate seis horas,
Na primeira voz dos sinos,
Como na voz que anunciava
A conceição de Maria,
Que graças angelicais!)
Nossa Senhora do Carmo,
De lá de cima do altar,
Pede esmolas para os pobres,
Para mulheres tão tristes,
Para mulheres tão negras,
Que vêm nas portas do templo
De noite se agasalhar.
Beco que nasceste à sombra
De paredes conventuais,
És como a vida, que é santa
Pesar de todas as quedas.
Por isso te amei constante
E canto para dizer-te
Adeus para nunca mais!
Manuel jornalista viaja o Brasil á serviço e num destes
pousos, em Minas conhece Carlos Drumond
de Andrade por quem nutria grande admiração e estima. Sobre ele, Manuel dizia “
quem não estiver de acordo é favor não falar mais comigo”
Manuel inspetor de ensino, Manuel professor, Manuel imortal
da academia, Manuel canditado á deputado,Manuel palestrante, Manuel tradutor,
Manuel oficialmente aposentado, Manuel
extraordinariamente produtivo, Manuel biógrafo.
Canção do vento e da minha vida
O vento varria as folhas,
O vento varria os frutos,
O vento varria as flores...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De frutos, de flores, de folhas.
O vento varria os frutos,
O vento varria as flores...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De frutos, de flores, de folhas.
O vento varria as luzes,
O vento varria as músicas,
O vento varria os aromas...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De aromas, de estrelas, de cânticos.
O vento varria os sonhos
E as amizades...
O vento varria as mulheres...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De afetos e de mulheres.
O vento varria os meses
E varria os teus sorrisos...
O vento varria tudo!
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De tudo.
O vento varria as músicas,
O vento varria os aromas...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De aromas, de estrelas, de cânticos.
O vento varria os sonhos
E as amizades...
O vento varria as mulheres...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De afetos e de mulheres.
O vento varria os meses
E varria os teus sorrisos...
O vento varria tudo!
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De tudo.
Manuel amou muito, amou tanto, tantas e tão várias mulheres
de alvas peles, e liras nos ventres, que tocava alumbrado. Dizia que não casou
porque perdeu a vez, já os amigos diziam que de fato, nunca consumou o ato.
*ALUMBRAMENTO
Eu vi os céus! Eu vi os céus!
Oh, essa angélica brancura
Sem tristes pejos e sem véus!
Oh, essa angélica brancura
Sem tristes pejos e sem véus!
Nem uma nuvem de amargura
Vem a alma desassossegar.
E sinto-a bela… e sinto-a pura…
Vem a alma desassossegar.
E sinto-a bela… e sinto-a pura…
Eu vi nevar! Eu vi nevar!
Oh, cristalizações da bruma
A amortalhar, a cintilar!
Oh, cristalizações da bruma
A amortalhar, a cintilar!
Eu vi o mar! Lírios de espuma
Vinham desabrochar à flor
Da água que o vento desapruma…
Vinham desabrochar à flor
Da água que o vento desapruma…
Eu vi a estrela do pastor…
Vi a licorne alvinitente!…
Vi… vi o rastro do Senhor!…
Vi a licorne alvinitente!…
Vi… vi o rastro do Senhor!…
E vi a Via-Láctea ardente…
Vi comunhões… capelas… véus…
Súbito… alucinadamente…
Vi comunhões… capelas… véus…
Súbito… alucinadamente…
Vi carros triunfais… troféus…
Pérolas grandes como a lua…
Eu vi os céus! Eu vi os céus!
- Eu vi-a nua… toda nua!
Clavadel, 1913
Manuel se autodefine
Auto-Retrato
Provinciano que nunca soube
Escolher bem uma gravata;
Pernambucano a quem repugna
A faca do pernambucano;
Poeta ruim que na arte da prosa
Envelheceu na infância da arte,
E até mesmo escrevendo crônicas
Ficou cronista de província;
Arquiteto falhado, músico
Falhado (engoliu um dia
Um piano, mas o teclado
Ficou de fora); sem família,
Religião ou filosofia;
Mal tendo a inquietação de espírito
Que vem do sobrenatural,
E em matéria de profissão
Um tísico profissional.
Escolher bem uma gravata;
Pernambucano a quem repugna
A faca do pernambucano;
Poeta ruim que na arte da prosa
Envelheceu na infância da arte,
E até mesmo escrevendo crônicas
Ficou cronista de província;
Arquiteto falhado, músico
Falhado (engoliu um dia
Um piano, mas o teclado
Ficou de fora); sem família,
Religião ou filosofia;
Mal tendo a inquietação de espírito
Que vem do sobrenatural,
E em matéria de profissão
Um tísico profissional.
Gostos e desgostos
Gostava de música, de cachorros
e crianças, de jiló e de tirar retratos.
Desgostos: era míope, usava óculos, e não gostava disso,
Foi
ficando surdo com a idade, e não gostava disso
Não gostava de caqui nem de melancia.
Não gostava de viajar de trem,
mas escreveu um poema sensacional sobre isso:
Trem de Ferro
Café
com pão
Café com pão Café com pão Virge Maria que foi isso maquinista? Agora sim Café com pão Agora sim Voa, fumaça Corre, cerca Ai seu foguista Bota fogo Na fornalha Que eu preciso Muita força Muita força Muita força Oô... Foge, bicho Foge, povo Passa ponte Passa poste Passa pasto Passa boi Passa boiada Passa galho Da ingazeira Debruçada No riacho Que vontade De cantar! Oô... Quando me prendero No canaviá Cada pé de cana Era um oficiá Oô... Menina bonita Do vestido verde Me dá tua boca Pra matar minha sede Oô... Vou mimbora vou mimbora Não gosto daqui Nasci no sertão Sou de Ouricuri Oô... Vou depressa Vou correndo Vou na toda Que só levo Pouca gente Pouca gente Pouca gente... |
Manuel e pasárgada
Diz-se que pasárgada persegue o poeta desde seus 15 anos,
quando ouviu de um professor o nome, mais tarde aos 40 anos , deu a ela o
destino final, escreveu o poema como que
possuído, como outros escreveu em sonho, e eis aí sua fuga para o mundo
ideal , fuga para pasárgada.
-Do poema “Vou-me embora pra
Pasárgada” ,o de mais longa gestação.
Aos dezesseis anos, o jovem Bandeira viu o
nome “pasárgada”, campo dos persas, num autor grego e imaginou um jardim das
delícias. Vinte anos depois, na Rua do
Curvelo, desanimado pelos impedimentos da doença, saltou-lhe o grito: “Vou-me embora pra
Pasárgada!”. Conta o poeta: “Senti na redondilha a primeira célula do poema “. Tenta escrever,
mas fracassa. Anos depois, “o mesmo desabafo de evasão da ‘vida besta’. Desta
vez, o poema saiu sem esforço, como se já estivesse pronto dentro de mim”. Como
disse Casais Monteiro, “Pasárgada é o
mundo em que o poeta já não é tísico”,
onde a mais doida fantasia é o cotidiano
do homem normal...
( Murilo Mendes)
Vou-me
Embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Manuel teme a morte, esta companheira de longas datas., Ela
vem resgata-lo em 13 de outubro de 1968, aos 82 anos.
Consoada
Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
- Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
- Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.
O
Último Poema
Assim
eu quereria o meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais limpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais limpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação
Pesquisa
e seleção de poemas, Eliane Ratier, Março de 2009 para o sarau da Paraler.
domingo, 17 de abril de 2016
Livros- O corpo e seus símbolos- Jean-Yves Leloup
O culpado é o Sérgio Ferrara, importante diretor teatral, que veio dar uma palestra,luminosa, na Oficina Cultural Cândido Portinari, aqui em Ribeirão Preto e plantou a pulguinha atrás da orelha como dica bibliográfica.
E como não?
Leloup é um religioso, filósofo, estudioso do ser que tem livros com títulos bastante sugestivos.
Este é uma compilação, muito bem conduzida, de palestras e entrevistas.
O assunto é super do meu interesse, e a leitura terá que ser refeita com mais calma e outros olhos.
Este livro é só uma porta, uma fresta, para o vasto e interessante assunto da manifestação corporal.
Quero mais!!
domingo, 10 de abril de 2016
Livros- Teadorar- Manuel Bandeira- Orlando Pedroso
Poesia é sempre um alento.
Poesia ilustrada é um alento e uma felicidade, um sorriso aberto, uma ruga a mais na testa.
Manuel Bandeira é Manuel Bandeira, sempre bom.
Orlando Pedroso, ilustrador, foi o homenageado da Feira do Livro de Sertãozinho de 2015, e o livro em questão um "docinho" de edição, letras grandes e inspiradas ilustrações.
quarta-feira, 6 de abril de 2016
Ler
Leio muito , desde sempre.
Em minha casa não se era de muita contação de histórias nem de leituras antes de dormir, mas existiam livros.
Meu pai, curioso por tudo, tinha seu acervo de romances dos tempos de juventude, junto com livros escolares e técnicos.
Ele e minha mãe liam jornais e revistas.
Minha mãe colecionava receitas e artigos úteis para o lar.
Ambos continuam, cada vez mais, leitores.
Crianças, eu e meu irmão, íamos acompanhar o pai aos domingos, à banca de jornais e daí vinham as revistinhas Recreio, com os recortes e montagens e desenhos para colorir e as histórias em quadrinhos.
O primeiro livro que ganhei foi um, que tenho até hoje, com algum conto de fadas, ricamente ilustrado.
Este acendeu em mim o espírito sonhador, apresentando-me reis, rainhas, princesas, caçadores, fadas em ricas vestimentas detalhadas na bela ilustração.
Depois vieram os da escola, "O Menino do Dedo Verde", Maurice Druon, "Cazuza" Viriato Correia, até que ganhei dos meus pais, em um aniversário, o "Reinações de Narizinho" do Monteiro Lobato, trezentas robustas páginas com poucas ilustrações.
Li-o, e leio, gulosamente.
No ginásio, atual fundamental II, ainda não conhecia bibliotecas.
As escolas não as tinham e quando existiam eram mortas , fechadas, lugares para fazer o retrato oficial.
Nesta época, fomos morar próximo à uma prima que era professora e tinha , em sua casa, uma prateleira com a coleção completa dos livros da Abril, Clássicos para a Juventude.
Como eu li!!
Li tudo, mais de 40 livros!!
Júlio Verne, Stevenson, Louise May Alccot, Charles Dyckens.
Li de me lambuzar!!!
A partir da sexta série , lia os livros que a escola mandava, os dessa minha prima, e emprestava alguns que uma colega, muito mais leitora do que eu, me recomendava.
Éramos as duas seres meio estranhos . Íamos ao recreio com o livro debaixo do braço.
No colegial, atual ensino médio, descobri a biblioteca da escola, fechada, mas que podia ser consultada por quem requisitasse as chaves.
Pegava as chaves, abria a biblioteca empoeirada, pesquisava o trabalho pedido e corria os olhos sobre os títulos tão tentadores. Às vezes levava algo mais para casa, às vezes perdia a hora dentro da biblioteca, encantada com tudo o que via e ainda havia para ver.
O que a escola exigia eu lia, mas a exigência foi pouca e não havia um interesse em preparar o aluno para o vestibular.
Não fiz cursinho, então estudava por conta , consumindo os resumos dos livros.
Passei no vestibular, odontologia.
Em minha fase universitária li pouco.
Estudava muito para me manter acima da linha d'água, sem nenhum brilhantismo, apenas questão de sobrevivência.
Voltei a ler quando me formei.
Consultório aberto sem clientes.
Estudava algo sobre a profissão e frequentava os sebos do centro da cidade.
Comprava um livro, lia, trocava, e assim passaram por minhas mãos muitos tesouros que se perderam por aí.
Desde então não parei mais, mesmo variando o ritmo.
Leitura de todo jeito, mas por gosto, lazer.
O destino fez com que eu trabalhasse em escolas e daí eu tive todas as bibliotecas para mim.
Pegava as chaves, escolhia e lia tudo.
Tudo!!!
Como trabalhei em escolas de todos os níveis, desde pré escola até o ensino médio, li literatura infantil, que é um encanto, juvenil, para saber o que interessava e o que pensava o jovem, e a adulta, os clássicos, dos quais tinha ouvido falar, os recomendados por alguma bibliotecária de plantão , os recomendados por amigos, ou os que apareciam nos jornais.
Ah! As escolas também tinham os jornais!!!
Puríssimo deleite!!
De leitora virei escritora, e os livros viraram mais que leitura.
Fico maravilhada como pode-se manter um diálogo com o texto.
A ficção é cheia de respostas para as nossas eternas perguntas, e encontrar alguém que pensou no assunto que você pensa é reconfortante.
Muitas vezes não sabemos , ao certo , o que nos aflige, nem se é lícito, ou anormal, e quando lemos uma história com a qual nos identificamos, sentimo-nos autorizados, não nos sentimos sós.
É como se tivéssemos um amigo que nos entende à perfeição, e nos apóia e nos consola.
Assim é o livro.
Companhia desde sempre, amigo inseparável.
Fascinante objeto.
Hoje leio o que quero, o que ganho, para dar uma opinião, o que preciso, para os meus estudos e o que me obrigo, através do compromisso com um grupo de leitura do qual participo.
Por todos estes meios tenho aprendido a ler além da própria história e isso torna a leitura uma atividade riquíssima.
Vivo muitas outras histórias, nas mais variadas peles, para experimentar cada vez mais o humano de todos em mim.
A poesia é uma música que toca para alegrar meu cérebro e fazê-lo criança deslumbrada frente à novidade e a possibilidade do brinquedo.
Gostaria que todos pudessem ter esta experiência prazerosa com a leitura, por isso estou envolvida com as questões do livro e da leitura.
Retorno às escolas para dar palestras, levo as palavras e leituras, a poesia em saraus, os livros em doação em praças e pontos de ônibus.
Sou fã do livro!
Carrego-o como bandeira!!
Assinar:
Postagens (Atom)