segunda-feira, 25 de março de 2019

Uma caixinha de felicidade




Uma amiga nonagenária conta-me um de seus segredos.
Sim, nonagenários devem ter muitos segredos para serem longevos, ainda mais como ela, ativa e produtiva.
Minha amiga revelou-me que tem uma caixinha especial onde guarda coisas totalmente sem importância, tolices que a fazem sorrir.
Conta-me que a ela recorre quando se sente meio prá baixo, entristecida, o que é raro, e que a caixinha com preciosos tesouros opera milagres ao recordar-lhe os bons momentos.
O que há na caixinha?
Um papelzinho de bala amarelinho descorado, que embrulhava a bala que o avô costumava comprar para ela aos domingos depois da missa,e que ela degustava às mordidas, a saliva escorrendo pelos cantos da boca, apaziguando a fome da já tardia hora, enquanto caminhavam para casa onde a avó os esperava , mesa posta, casa rescendendo ao bom perfume da comida pronta; um pedaço de fita de cetim azul com imaginários resquícios de perfume, com que adornava seu cabelo naquela quinta feira a tarde, na porta da loja , no centro da cidade, quando viu seu marido pela primeira vez, assustada com o incontrolável galope do seu coração e o rubor da face que surgiram assim que ele sorriu, e ela descobriu-se irremediavelmente apaixonada; um babadorzinho bordado por ela mesma para o uso do primeiro filho, amadinho, em dias de festa, quando apenas despontavam dois dentinhos no sorriso largo da criança, usou-o , também, nos outros dois, do mesmo modo amados; uma nota da livraria que acolheu seu primeiro livro, fruto de muito trabalho e estudo, noites sem dormir, leituras de construir o futuro, ausências da casa-lar, descobertas que a validaram perante o mundo exterior, a sociedade, seu peito brilhando em triunfo, não ganhou dinheiro com isso, nada importa, ganhou um mundo; um bonequinho de plástico e dois bilhetinhos escritos com lápis de cor, presentes de seus alunos mais lembrados, fosse por seu destaque como estudantes, fosse pelo trabalho dado, suas carinhas a aparecem iluminadas na memória; uma foto do casamento de seus pais, tão jovens, os olhos cheios de sonhos dos quais ela fez parte; uma foto da família em sua casa, que rescendia à comida pronta, depois da missa de domingo, todos alegres e sorridentes, quase todos existentes apenas na foto; um recorte de jornal com um lindo conto sobre o pássaro azul , sua cor predileta, e que a faz suspirar, ler e reler, como se pudesse assim, ter o pássaro em suas mãos ; e , entre tantos outros tesouros, um papel bem novo, impresso pelo computador, com um poema, que ganhou ao completar seus noventa, de uma coleguinha, bem mais nova e que pouco sabe dela, mas que sentindo sua essência escreveu os versos que a descrevem como só seu próprio espelho faz.
É assim, que nas raras tardes de desânimo minha amiga se refaz com seus pertences mais preciosos.
Sendo este um de seus segredos que a tornam amiga do tempo, sugiro que tenhamos, também nós, nossas caixinhas e saibamos guardar as lembranças dos bons momentos que certamente enchem nossa vida e dos quais pouco lembramos.
Beijo, queridinha, sábia coleguinha e obrigada pela linda lição de vida.

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