Por ocasião da morte de Vinícius, Djalma Cano escreveu esta elegia:
ELEGIA AO POETA QUE PARTE djalma cano
Nove de julho de 1980, sete horas da manhã.
Uma grande pomba branca
Leva em suas asas
O grande cantor da liberdade;
O arauto da esperança;
A esperança do amor...
Tinha que ser julho,
O mês das grandes batalhas pela liberdade.
Tinha que ser 9 (o dia em que teve povo
nas praças e nas trincheira
brigando pela Constituição).
Tinha que ser 9 de julho
O dia em que o poeta
Venceu a vida;
E nela o seu canhão
Sempre arremessou
Seus dardos a favor da liberdade;
Lançou as flores em cumplicidade
Estreita com o amor...
E nesse mês, comungando com a batalha
Do rouxinol,
Sierra Maestra deve verter lágrimas,
E a Argélia deve perfilar-se toda de branco
No abraço ao soldado da palavra...
Palavra que ficava mais fácil em sua pena
E paria-se de gozo sublime
Quando cantava as aventuras dos homens livres
E das mulheres plenas e fecundas
A rolar por alvos lençóis
Em leitos suspeitos
E sempre carregados de ternura...
Cantor da inocência (mesmo a fingida)
E da ingenuidade (quase sempre ferida)
Derramava seus versos
Tal qual notas musicais
E a melodia
Fluía do papel
Para encontrar
Nossos ouvidos
E conseguir o milagre
Da partitura sem maestro
Fazendo imitar no âmago
De nossa intimidade
O som de uma boca
Que beija, que blasfema
Que grita, que chora
Que conforta, que fere
Que sorri, que implora
Que gargalha sem ruídos
Que enternece em silêncio...
Só quem te conheceu,
Um pouco que seja
(mesmo apenas lendo teus versos)
Sabe dizer
Quanto dói pensar que deixaste
De criar para nós
Assumindo a alvura
Que se supõe estar envolta
A figura do poeta
Na nova vida que alcança...
E resta agora rever o que fizeste,
Escutar o que deixaste de imortal
E assim viverás de novo, aqui,
Neste confuso mundo que sobrou
(E no qual tu acabas de deixar
espaço amplo e profundo).
Que virá depois de ti, meu poetinha?
O gosto amargo da partida?
Aquela ausência dolorida
Que a gente curte quietinho,
Dizendo que é mentira?
Que o jornal mentiu só para esgotar a edição?
Que a TV não tinha o que fazer,
Numa hora em que o Papa
Descansou da maratona
E sapecou a tua notícia?...
Não, poeta.
Eu vi o povo se despedindo de ti,
Repetindo os teus versos
Em forma de música
Quando o chão se fechou sobre teu corpo...
Meus olhos não me mentiram.
E por dentro eu fiquei menor, encolhido.
Cuidei da vida,
Mexi na estante,
Vi teu livro,
Vi tua foto recente onde os cabelos
E a barba brancos
Faziam moldura
Para o rosto cansado (melancólico?).
Que sustentava o olhar sempre triste
A refletir a angústia dos que amam
E que fazem da liberdade
O sentido da vida...
Poeta, cheguei a ter uma pontinha
De satisfação
Ao saber que cantaste
Até às cinco horas da manhã,
E pensei: ele não perdeu nem a aurora
Do dia em que resolveu se mandar.
Eh, bravo soldado!
Escuta meu clarim
A romper o peito,
Querendo deixar bem claro
Que vou te ser fiel,
Vou te amar como sempre,
Nem que seja escrevendo para ti,
Nem que seja ouvindo-te,
Lendo teus livros...
Adeus amigo, poeta, homem livre!
Que encantes
Quem te encontrar
Neste novo caminho
(cheio de flores e mel)
Para onde te levaram!
http://fenix46.blogspot.com
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