quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Lia Luft, Mudança

Recebi, da querida Carmen Cagno, texto da sempre ótima Lia Luft. Lendo o texto vislumbro o sorriso da Carmen fazendo par com seus cabelos lisos e escuros. Beijo e obrigada.


 
   "A idade e a mudança"
Este comentário da escritora, tradutora e poetisa vale para ambos os sexos, com qualquer idade.

Ela está com 74 anos.
 
A Idade e a mudança  Lya Luft
"Mês passado participei de um evento sobre as mulheres no mundo contemporâneo. 
  
 Era um bate-papo com uma platéia composta de umas 250 mulheres  de todas as raças, credos e idades. 
E por falar em idade, lá pelas tantas, fui questionada sobre a minha e, como não me envergonho dela, respondi. 
  
 Foi um momento inesquecível...  A platéia inteira fez um 'oooohh' de descrédito. 
  
 Aí fiquei pensando: 'pô, estou neste auditório 
há quase uma hora exibindo minha inteligência, 
e a única coisa que provocou uma reação calorosa da mulherada foi o fato de eu não aparentar a idade que tenho? 
Onde é que nós estamos?' 
 

Onde, não sei, mas estamos correndo atrás de algo caquético chamado 'juventude eterna'. 
Estão todos em busca da reversão do tempo. 
  
   Acho ótimo, porque decrepitude também não é meu sonho de consumo, mas cirurgias estéticas não dão conta desse assunto sozinhas. 
  
 Há um outro truque que faz com que continuemos a ser chamadas de senhoritas, mesmo em idade avançada. 
A fonte da juventude chama-se 'mudança'. 
 
De fato, quem é escravo da repetição está condenado 
a virar cadáver antes da hora. 
  
 A única maneira de ser idoso sem envelhecer
é não se opor a novos comportamentos, é ter disposição para guinadas. 
  
 Eu pretendo morrer jovem aos 120 anos. 
  
 Mudança, o que vem a ser tal coisa? 
  
 Minha mãe recentemente mudou do apartamento enorme 
em que morou a vida toda para um bem menorzinho. 
  
 Teve que vender e doar mais da metade dos móveis e tranqueiras, que havia guardado e, mesmo tendo feito isso com certa dor, ao conquistar uma vida mais compacta e simplificada, rejuvenesceu. 
  
 Uma amiga casada há 38 anos cansou das galinhagens
do marido e o mandou passear, sem temer ficar sozinha aos 65 anos. 
  
 Rejuvenesceu. 
 
Uma outra cansou da pauleira urbana e trocou 
um baita emprego por um não tão bom,
só que em Florianópolis, 
onde ela vai à praia sempre que tem sol. 
  
 Rejuvenesceu. 
 
Toda mudança cobra um alto preço emocional. 
  
 Antes de se tomar uma decisão difícil, e durante a tomada, 
chora-se muito, os questionamentos são inúmeros,
a vida se desestabiliza. 
  
 Mas então chega o depois, a coisa feita, 
e aí a recompensa fica escancarada na face. 
 
Mudanças fazem milagres por nossos olhos, 
e é no olhar que se percebe a tal juventude eterna. 
  
 Um olhar opaco pode ser puxado e repuxado por um cirurgião a ponto de as rugas sumirem,
só que continuará opaco porque não existe plástica que resgate seu brilho. 
  
 Quem dá brilho ao olhar é a vida que a gente optou por levar. 
 
Olhe-se no espelho..." 

Lya Luft

 
 
     

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