quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Gonçalves Dias




Pesquisa publicada no blog da revista Revide On line, aqui na integra.

Gonçalves Dias- 10 de agosto

Ah! Minha terra tem palmeiras onde cantam sabiás eternizadas nos  versos do maranhense Gonçalves Dias.
Nascido aos 10 dias do mês de agosto do ano de 1823, de pai português e mãe mestiça, o menino Antônio Gonçalves Dias foi educado nas letras por iniciativa de seu pai e mandado em estudos a Portugal para o curso de direito. Passou por muitas dificuldades desde o seu nascimento bastardo e mestiço, a falta de recursos para terminar os estudos, um amor fracassado, um casamento conturbado, uma doença grave e incurável e apesar de tudo foi brilhante no seu fazer como escritor , pesquisador, professor e etnólogo.
Trabalhou no Rio de Janeiro e na condição de pesquisador empreendeu viagens ao norte e à Europa.
Escritor romântico, cultuou o nacionalismo em obras indianistas.
Usou da adversidade para alimentar sua poesia.
Como fruto de suas pesquisas escreveu um dicionário da língua Tupi.
Faleceu em um naufrágio na costa maranhense em 3 novembro 1864, aos 41 anos de idade.
É patrono da cadeira número 15 da Academia Brasileira de Letras.
Para quem quiser saber mais, sugiro este local no sítio da ABL:
Comecemos com Canção do Exílio escrita em Portugal no período em que o escritor fazia seus estudos, e que tem dois de seus versos compondo a letra do Hino Nacional Brasileiro e outros dois na letra da Canção do Expedicionário.
CANÇÃO DO EXÍLIO
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
                              Coimbra, julho, 1843.

Ainda na linha nacionalista, agora indianista, deixo aqui a Canção do Tamoio.
Peço que a leiam em voz alta para sentir o ritmo e a intensidade das palavras.
Experimentem a bela e motivadora energia deste poema.
                       
CANÇÃO DO TAMOIO
        I
 Não chores, meu filho;
 Não chores, que a vida
 É luta renhida:
 Viver é lutar.
 A vida é combate,
 Que os fracos abate,
 Que os fortes, os bravos
 Só pode exaltar.
         II
 Um dia vivemos!
 O homem que é forte
 Não teme da morte;
 Só teme fugir;
 No arco que entesa
 Tem certa uma presa,
 Quer seja tapuia,
 Condor ou tapir.
         III
 O forte, o cobarde
 Seus feitos inveja
 De o ver na peleja
 Garboso e feroz;
 E os tímidos velhos
 Nos graves conselhos,
 Curvadas as frontes,
 Escutam-lhe a voz!
        IV
 Domina, se vive;
 Se morre, descansa
 Dos seus na lembrança,
 Na voz do porvir.
 Não cures da vida!
 Sê bravo, sê forte!
 Não fujas da morte,
 Que a morte há de vir!
         V
 E pois que és meu filho,
 Meus brios reveste;
 Tamoio nasceste,
 Valente serás.
 Sê duro guerreiro,
 Robusto, fragueiro,
 Brasão dos tamoios
 Na guerra e na paz.
        VI
 Teu grito de guerra
 Retumbe aos ouvidos
 D’imigos transidos
 Por vil comoção;
 E tremam d’ouvi-lo
 Pior que o sibilo
 Das setas ligeiras,
 Pior que o trovão.
         VII
 E a mãe nessas tabas,
 Querendo calados
 Os filhos criados
 Na lei do terror;
 Teu nome lhes diga,
 Que a gente inimiga
 Talvez não escute
 Sem pranto, sem dor!
         VIII
 Porém se a fortuna,
 Traindo teus passos,
 Te arroja nos laços
 Do inimigo falaz!
 Na última hora
 Teus feitos memora,
 Tranquilo nos gestos,
 Impávido, audaz.
         IX
 E cai como o tronco
 Do raio tocado,
 Partido, rojado
 Por larga extensão;
 Assim morre o forte!
 No passo da morte
 Triunfa, conquista
 Mais alto brasão.
         X
 As armas ensaia,
 Penetra na vida:
 Pesada ou querida,
 Viver é lutar.
 Se o duro combate
 Os fracos abate,
 Aos fortes, aos bravos,
 Só pode exaltar.

Só mais um, talvez o de maior beleza, do tema indianista, o épico I Juca Pirama.
O poema, considerado o mais importante de Gonçalves Dias fala sobre a maldição do pai ao filho que chora frente a morte.
Aqui o trecho final.
X
Um velho Timbira, coberto de glória,
    Guardou a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi!
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
    Do que ele contava,
Dizia prudente: - “Meninos, eu vi!”
“Eu vi o brioso no largo terreiro
    Cantar prisioneiro
Seu canto de morte, que nunca esqueci:
Valente, como era, chorou sem ter pejo;
    Parece que o vejo,
Que o tenho nest’hora diante de mi.”
“Eu disse comigo: Que infâmia d’escravo!
    Pois não, era um bravo;
Valente e brioso, como ele, não vi!
E à fé que vos digo: parece-me encanto
    Que quem chorou tanto,
Tivesse a coragem que tinha o Tupi!”
Assim o Timbira, coberto de glória,
    Guardava a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi.
E à noite nas tabas, se alguém duvidava
    Do que ele contava,
Tornava prudente: “Meninos, eu vi!”

Para finalizar o canto do amor irrealizado que marcou para sempre o coração do poeta, feito após um reencontro com a amada interdita, Ana Amélia.
É um poema extenso, mas belíssimo, inspiração atemporal para os que sofrem de amor.
 AINDA UMA VEZ – ADEUS
                      I 
 Enfim te vejo! - enfim posso,
 Curvado a teus pés, dizer-te,
 Que não cessei de querer-te,
 Pesar de quanto sofri.
 Muito penei! Cruas ânsias,
 Dos teus olhos afastado,
 Houveram-me acabrunhado
 A não lembrar-me de ti! 
                       II 
 Dum mundo a outro impelido,
 Derramei os meus lamentos
 Nas surdas asas dos ventos,
 Do mar na crespa cerviz!
 Baldão, ludíbrio da sorte
 Em terra estranha, entre gente,
 Que alheios males não sente,
 Nem se condói do infeliz! 
                       III 
 Louco, aflito, a saciar-me
 D’agravar minha ferida,
 Tomou-me tédio da vida,
 Passos da morte senti;
 Mas quase no passo extremo,
 No último arcar da esperança,
 Tu me vieste à lembrança:
 Quis viver mais e vivi! 
                       IV 
 Vivi; pois Deus me guardava
 Para este lugar e hora!
 Depois de tanto, senhora,
 Ver-te e falar-te outra vez;
 Rever-me em teu rosto amigo,
 Pensar em quanto hei perdido,
 E este pranto dolorido
 Deixar correr a teus pés. 
                       V 
 Mas que tens? Não me conheces?
 De mim afastas teu rosto?
 Pois tanto pôde o desgosto
 Transformar o rosto meu?
 Sei a aflição quanto pode,
 Sei quanto ela desfigura,
 E eu não vivi na ventura...
 Olha-me bem, que sou eu! 
                       VI 
 Nenhuma voz me diriges!...
 Julgas-te acaso ofendida?
 Deste-me amor, e a vida
 Que me darias - bem sei;
 Mas lembrem-te aqueles feros
 Corações, que se meteram
 Entre nós; e se venceram,
 Mal sabes quanto lutei! 
                       VII 
 Oh! se lutei!... mas devera
 Expor-te em pública praça,
 Como um alvo à populaça,
 Um alvo aos ditérios seus!
 Devera, podia acaso
 Tal sacrifício aceitar-te
 Para no cabo pagar-te,
 Meus dias unindo aos teus? 
                       VIII 
 Devera, sim; mas pensava,
 Que de mim t’esquecerias,
 Que, sem mim, alegres dias
 T’esperavam; e em favor
 De minhas preces, contava
 Que o bom Deus me aceitaria
 O meu quinhão de alegria
 Pelo teu, quinhão de dor! 
                       IX 
 Que me enganei, ora o vejo;
 Nadam-te os olhos em pranto,
 Arfa-te o peito, e no entanto
 Nem me podes encarar;
 Erro foi, mas não foi crime,
 Não te esqueci, eu to juro:
 Sacrifiquei meu futuro,
 Vida e glória por te amar! 
                       X 
 Tudo, tudo; e na miséria
 Dum martírio prolongado,
 Lento, cruel, disfarçado,
 Que eu nem a ti confiei;
 “Ela é feliz (me dizia)
 Seu descanso é obra minha.”
 Negou-me a sorte mesquinha...
 Perdoa, que me enganei! 
                       XI 
 Tantos encantos me tinham,
 Tanta ilusão me afagava
 De noite, quando acordava,
 De dia em sonhos talvez!
 Tudo isso agora onde para?
 Onde a ilusão dos meus sonhos?
 Tantos projetos risonhos,
 Tudo esse engano desfez! 
                       XII 
 Enganei-me!... - Horrendo caos
 Nessas palavras se encerra,
 Quando do engano, quem erra.
 Não pode voltar atrás!
 Amarga irrisão! reflete:
 Quando eu gozar-te pudera,
 Mártir quis ser, cuidei qu’era...
 E um louco fui, nada mais! 
                       XIII 
 Louco, julguei adornar-me
 Com palmas d’alta virtude!
 Que tinha eu bronco e rude
 C’o que se chama ideal?
 O meu eras tu, não outro;
 ’Stava em deixar minha vida
 Correr por ti conduzida,
 Pura, na ausência do mal. 
                       XIV 
 Pensar eu que o teu destino
 Ligado ao meu, outro fora,
 Pensar que te vejo agora,
 Por culpa minha, infeliz;
 Pensar que a tua ventura
 Deus ab eterno a fizera,
 No meu caminho a pusera...
 E eu! eu fui que a não quis! 
                       XV 
 És doutro agora, e pr’a sempre!
 Eu a mísero desterro
 Volto, chorando o meu erro,
 Quase descrendo dos céus!
 Dói-te de mim, pois me encontras
 Em tanta miséria posto,
 Que a expressão deste desgosto
 Será um crime ante Deus! 
                       XVI 
 Dói-te de mim, que t’imploro
 Perdão, a teus pés curvado;
 Perdão!... de não ter ousado
 Viver contente e feliz!
 Perdão da minha miséria,
 Da dor que me rala o peito,
 E se do mal que te hei feito,
 Também do mal que me fiz! 
                       XVII 
 Adeus qu’eu parto, senhora;
 Negou-me o fado inimigo
 Passar a vida contigo,
 Ter sepultura entre os meus;
 Negou-me nesta hora extrema,
 Por extrema despedida,
 Ouvir-te a voz comovida
 Soluçar um breve Adeus! 
                       XVIII 
 Lerás porém algum dia
 Meus versos d’alma arrancados,
 D’amargo pranto banhados,
 Com sangue escritos; - e então
 Confio que te comovas,
 Que a minha dor te apiade
 Que chores, não de saudade,
 Nem de amor, - de compaixão.



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