terça-feira, 19 de abril de 2016

Manuel Bandeira




Hoje é o aniversário de Manuel Bandeira, 19 de abril.
Falo é, no presente, porque quem nos marca é eterno.
Em 2009, fazendo saraus na Paraler, homenageamos Manuel, e foi lindo, havia a árvore, varrida pelo vento, e as folhas eram seus poemas.Lembro-me bem do saudoso Djalma Cano lendo Manuel.
Estou publicando parte do roteiro deste sarau no blog da Revide, http://www.revide.com.br/blog/eliane-ratier/ , e vou colocar aqui, como minha especial homenagem ao poeta, o roteiro completo para celebrarmos, revivermos, recordarmos os momentos felizes que passamos juntos, nós amigos sob a inspiração de Manuel Bandeira.

Manuel Bandeira

Manuel nasceu em 19 de abril de de 1886  no, para ele,  inesquecível Recife.
Até os 18 anos mudou-se para o Rio, novamente para Recife e depois para São Paulo, mas  suspeito que o menino Manuel continua brincando em frente á casa de seu avô na rua União, correndo pela rua do Sol até o cais da rua Aurora, ás margens do Capibaribe.

Evocação do Recife

Evocação do Recife

Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois - Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância

A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê na ponta do nariz
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras, mexericos, namoros, risadas
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam:

       Coelho sai! Não sai!

A distância as vozes macias das meninas politonavam:

Roseira dá-me uma rosa
Craveiro dá-me um botão
(Dessas rosas muita rosa
Terá morrido em botão...)

De repente
                    nos longos da noite
                                                       um sino
Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
Outra contrariava: São José!
Totônio Rodrigues achava sempre que era são José.
Os homens punham o chapéu saíam fumando
E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo.

Rua da União...Como eram lindos os nomes das ruas da minha infância
Rua do Sol
 (Tenho medo que hoje se chame do dr. Fulano de Tal)
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
                                                             ...onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
                                                              ...onde se ia pescar escondido
Capiberibe
- Capibaribe
Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Banheiros de palha
Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu
                                 Foi o meu primeiro alumbramento
Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu
E nos pegões da ponte do trem de ferro os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras
Novenas
Cavalhadas
E eu me deitei no colo da menina e ela começou a passar a mão nos meus cabelos
Capiberibe
- Capibaribe
Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas
                                   Com o xale vistoso de pano da Costa
E o vendedor de roletes de cana
O de amendoim
                        que se chamava midubim e não era torrado era cozido
Me lembro de todos os pregões:
                     Ovos frescos e baratos
                      Dez ovos por uma pataca
Foi há muito tempo...

A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada
A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem
Terras que não sabia onde ficavam
Recife...
                 Rua da União...
                                          A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade

Recife...
                Meu avô morto...
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro como a casa de meu avô
                                                         
                                                               Libertinagem 1930




Para ouvir o poema recitado pelo próprio Bandeira:

http://www.cosacnaify.com.br/noticias/mb_50poemas.asp


Manuel moço estuda para ser arquiteto, mas a notícia funesta que o espreita impede a realização do sonho paterno. É diagnosticado tuberculoso aos 18 anos de idade.

Pneumotórax

Pneumotórax
Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire.

- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.


Manuel escreve versos como quem morre, mas sobreviveu á todos, pai, mãe, avô e até á querida irmã que zelava por ele. Os médicos não entendiam como alguém com um pulmão tão prejudicado pela doença estava bem de saúde e assim ficou até os 82 anos.

Desencanto

Desencanto
Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha meu livro, se por agora
Não tens motivo algum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.

A doença o leva à tratar-se nos Alpes franceses, onde ele conhece grandes artistas internacionais, padecentes do mesmo, popular e fatal  mal, bem , nem tão fatal pois muitos sobreviveram para fazer a história.
Sua saúde estabiliza-se e Bandeira faz da poesia o sentido de sua vida.
Sua mente cresce em velocidade vertiginosa á beira desta janela aberta para a cultura vanguardista européia.
Volta ao Brasil por imposição da guerra de 1914, mas continua ligado ao pensamento europeu através de suas leituras dos clássicos, principalmente os franceses.
Aprimora-se, escreve, publica, sempre ás próprias custas.

São palavras do autor:
“ quando caí doente em 1904, fiquei certo de morrer dentro de pouco tempo:  a tuberculose era ainda o “mal que não perdoa”. Mas fui vivendo, morre-não-morre, e em 1914 o Dr Bodmer, médico chefe do sanatório de Clavadel, tendo-lhe eu perguntado quantos anos de vida me restariam, respondeu-me sorrindo; “ o sr tem lesões teoricamente incompatíveis com a vida; no entanto está sem bacilos, come bem, dorme bem, não apresenta, em suma, nenhum sintoma alarmante. Pode viver cinco, dez, quinze anos...Quem poderá dizer?...”
Continuei esperando a morte para qualquer momento, vivendo sempre como que provisoriamente. Nos primeiros anos da doença me amargurava muito a idéia de morrer
Sem ter feito nada: depois a forçada ociosidade. Se publiquei em 1917 A Cinza das Horas, foi para, de certo modo, iludir o meu sentimento de vazia inutilidade. Este só começou a se dissipar quando fui tomando consciência da ação dos meus versos sobre amigos e principalmente sobre desconhecidos.”

Conhece os modernistas através de Mario de Andrade, que carinhosamente o chamava de Manú, o que lhe dava um ar assim indiano, e mesmo não tendo participado da famosa semana de arte moderna de 1922, teve seu poema  “Os Sapos”, lido nas escadarias do teatro municipal , por Ronald de Carvalho, causando grande alvoroço, como suponho que era desejado.

Os Sapos
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinquüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."

Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...


Posteriormente vai à São Paulo e conhece todos os modernistas. Embora declarasse que não tinha nada contra a estética poética vigente, seu texto o desmentia escandalosamente.

Poética
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.


Deste encontro fica a forte amizade entre ele e Jaime Ovale, que rendeu parceria musical, que seria repetida com Villa Lobos e outros artistas. Manuel adorava música e chegou a dizer que “ sinto que na música é que conseguiria exprimir-me  completamente”

Azulão: Manuel Bandeira , Jayme Ovalle

Manuel modernista na forma e na temática, a crônica em forma de poema, as palavras inventadas, a temática mundana.

Poema Tirado de uma Notícia de Jornal
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

Momento Num Café

Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes na vida.

Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta.

"O cacto"
Aquele cacto lembrava os gestos [desesperados da estatuária:
Laocoonte constrangido pelas serpentes,
Ugolino e os filhos esfaimados.
Evocava também o seco nordeste, [carnaubais, caatingas...
Era enorme, mesmo para esta terra de [feracidades excepcionais.

Um dia um tufão furibundo abateu-o pela raiz.
O cacto tombou atravessado na rua,
Quebrou os beirais do casario fronteiro,
Impediu o trânsito de bondes, automóveis, [carroças,
Arrebentou os cabos elétricos e durante vinte [e quatro horas privou a cidade de iluminação [e energia:

- Era belo, áspero, intratável.


Manuel morou no Rio, no beco das Carmelitas, escreve poema pedindo o calçamento da rua e  é atendido, imortaliza o beco dos violões, instrumento que ele tocava, numa homenagem poética.

(Mas, sobre o transe, prossegue Mendes,) foi no dia de se mudar de lá, exausto após a arrumação, que ele conta como se deu o fenômeno:  “De repente a emoção se ritmou em redondilhas, escrevi a primeira estrofe, mas na hora de vestir-me para sair, vesti-me com os versos surdindo na cabeça, desci à rua, no Beco das Carmelitas me lembrei de Raul de Leoni, e os versos vindo sempre, e eu com medo de esquecê-los . Tomei um bonde, saquei do bolso um pedaço de papel e um lápis, fui tomando as minhas notas numa estenografia improvisada, senão quando lá se quebrou a ponta do lápis, os versos não paravam... Chegando ao meu destino pedi um lápis e escrevi o que ainda guardava de cor... De volta à casa, bati os versos na máquina e fiquei espantadíssimo ao verificar que o poema se compusera, à minha revelia, em sete estrofes de sete versos de sete sílabas”.

( Murilo Mendes)

Poema do Beco
Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
- O que eu vejo é o beco.


Última Canção do Beco

Beco que cantei num dístico
Cheio de elipses mentais,
Beco das minhas tristezas,
Das minhas perplexidades
(Mas também dos meus amores,
Dos meus beijos, dos meus sonhos),
Adeus para nunca mais!

Vão demolir esta casa.
Mas meu quarto vai ficar,
Não como forma imperfeita
Neste mundo de aparências:
Vai ficar na eternidade,
Com seus livros, com seus quadros,
Intacto, suspenso no ar!

Beco de sarças de fogo,
De paixões sem amanhãs,
Quanta luz mediterrânea
No esplendor da adolescência
Não recolheu nestas pedras
O orvalho das madrugadas,
A pureza das manhãs!

Beco das minhas tristezas.
Não me envergonhei de ti!
Foste rua de mulheres?
Todas são filhas de Deus!
Dantes foram carmelitas...
E eras só de pobres quando,
Pobre, vim morar aqui.

Lapa - Lapa do Desterro -,
Lapa que tanto pecais!
(Mas quando bate seis horas,
Na primeira voz dos sinos,
Como na voz que anunciava
A conceição de Maria,
Que graças angelicais!)

Nossa Senhora do Carmo,
De lá de cima do altar,
Pede esmolas para os pobres,
Para mulheres tão tristes,
Para mulheres tão negras,
Que vêm nas portas do templo
De noite se agasalhar.

Beco que nasceste à sombra
De paredes conventuais,
És como a vida, que é santa
Pesar de todas as quedas.
Por isso te amei constante
E canto para dizer-te
Adeus para nunca mais!


Manuel jornalista viaja o Brasil á serviço e num destes pousos, em Minas conhece  Carlos Drumond de Andrade por quem nutria grande admiração e estima. Sobre ele, Manuel dizia “ quem não estiver de acordo é favor não falar mais comigo”

Manuel inspetor de ensino, Manuel professor, Manuel imortal da academia, Manuel canditado á deputado,Manuel palestrante, Manuel tradutor, Manuel oficialmente  aposentado, Manuel extraordinariamente produtivo, Manuel biógrafo.

Canção do vento e da minha vida

O vento varria as folhas,
O vento varria os frutos,
O vento varria as flores...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De frutos, de flores, de folhas.
O vento varria as luzes,
O vento varria as músicas,
O vento varria os aromas...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De aromas, de estrelas, de cânticos.

O vento varria os sonhos
E as amizades...
O vento varria as mulheres...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De afetos e de mulheres.

O vento varria os meses
E varria os teus sorrisos...
O vento varria tudo!
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De tudo.

Manuel amou muito, amou tanto, tantas e tão várias mulheres de alvas peles, e liras nos ventres, que tocava alumbrado. Dizia que não casou porque perdeu a vez, já os amigos diziam que de fato, nunca consumou o ato.

*ALUMBRAMENTO
Eu vi os céus! Eu vi os céus!
Oh, essa angélica brancura
Sem tristes pejos e sem véus!

Nem uma nuvem de amargura
Vem a alma desassossegar.
E sinto-a bela… e sinto-a pura…

Eu vi nevar! Eu vi nevar!
Oh, cristalizações da bruma
A amortalhar, a cintilar!

Eu vi o mar! Lírios de espuma
Vinham desabrochar à flor
Da água que o vento desapruma…

Eu vi a estrela do pastor…
Vi a licorne alvinitente!…
Vi… vi o rastro do Senhor!…

E vi a Via-Láctea ardente…
Vi comunhões… capelas… véus…
Súbito… alucinadamente…

Vi carros triunfais… troféus…
Pérolas grandes como a lua…
Eu vi os céus! Eu vi os céus!

- Eu vi-a nua… toda nua!

Clavadel, 1913


Manuel se autodefine

Auto-Retrato
Provinciano que nunca soube
Escolher bem uma gravata;
Pernambucano a quem repugna
A faca do pernambucano;
Poeta ruim que na arte da prosa
Envelheceu na infância da arte,
E até mesmo escrevendo crônicas
Ficou cronista de província;
Arquiteto falhado, músico
Falhado (engoliu um dia
Um piano, mas o teclado
Ficou de fora); sem família,
Religião ou filosofia;
Mal tendo a inquietação de espírito
Que vem do sobrenatural,
E em matéria de profissão
Um tísico profissional.


Gostos e desgostos

Gostava de música, de cachorros e crianças, de jiló e de tirar retratos.
Desgostos: era míope, usava óculos, e não gostava disso,
                Foi ficando surdo com a idade, e não gostava disso
Não gostava de caqui nem de melancia.
Não gostava de viajar de trem, mas escreveu um poema sensacional sobre isso:

Trem de Ferro
Café com pão
Café com pão
Café com pão

Virge Maria que foi isso maquinista?

Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força

Oô...
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
Da ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!

Oô...
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá
Oô...
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matar minha sede
Oô...
Vou mimbora vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Oô...

Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente...




Manuel e pasárgada

Diz-se que pasárgada persegue o poeta desde seus 15 anos, quando ouviu de um professor o nome, mais tarde aos 40 anos , deu a ela o destino final, escreveu o poema como que  possuído, como outros escreveu em sonho, e eis aí sua fuga para o mundo ideal , fuga para pasárgada.

-Do poema “Vou-me embora pra Pasárgada” ,o de mais longa gestação.

  Aos dezesseis anos, o jovem Bandeira viu o nome “pasárgada”, campo dos persas, num autor grego e imaginou um jardim das delícias. Vinte anos depois,  na Rua do Curvelo, desanimado pelos impedimentos da doença,  saltou-lhe o grito: “Vou-me embora pra Pasárgada!”. Conta o poeta: “Senti na redondilha  a primeira célula do poema “. Tenta escrever, mas fracassa. Anos depois, “o mesmo desabafo de evasão da ‘vida besta’. Desta vez, o poema saiu sem esforço, como se já estivesse pronto dentro de mim”. Como disse  Casais Monteiro, “Pasárgada é o mundo em que o poeta  já não é tísico”, onde  a mais doida fantasia é o cotidiano do homem normal...
( Murilo Mendes)

Vou-me Embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que  nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada


Manuel teme a morte, esta companheira de longas datas., Ela vem resgata-lo em 13 de outubro de 1968, aos 82 anos.

Consoada
Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
- Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.


O Último Poema
Assim eu quereria o meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais limpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação

Pesquisa e seleção de poemas, Eliane Ratier, Março de 2009 para o sarau da Paraler.
                              



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