Deleites dos dias de chuva
Choveu muito! Lembram-se? Um janeiro inteiro.
Aí eu que cheguei atrasada em minha própria casa, fora de
horário e de tempo, tive a graça da permanência.
Cheguei e fiquei, em reclusão voluntária, poupando a voz,
economizando os passos, fazendo o reconhecimento dos espaços, abraçando
mentalmente cada luz coada pelas vidraças, o frescor do piso e a carícia dos
tapetes.
Arrumei o de necessidade, arrumei detalhes e antiguidades.
Dentre as necessidades: a papelada.
Papel, para mim, é ouro.
Guardo documentos, recibos, contas, cartas, cadernos,
revistas, recortes de jornais, papel virgem e impresso.
Livros de todo feitio e para toda finalidade.
Guardo o que precisa e o inútil.
Guardo o que amo, sem porque.
Então foi que, com o tempo que a chuva me deu, resolvi
descartar alguma papelada absolutamente sem valor, passada em forma e função,
obsoleta, de uma outra vida, talvez até de uma outra pessoa.
A desculpa para mexer com ela foi a procura de um documento,
que achei caído atrás da última gaveta da escrivaninha, amassado, empoeirado,
no rés do chão, depois do trabalho feito, quando o sol já brilhava lá fora.
Foram dias especiais de limpeza.
Uma olhadela aqui e ali e corta e pica e rasga e recicla e
reaproveita e desmancha n’água.
Fiquei feliz com o trabalho concluído, coisas estagnadas
enfim em movimento, mas devo confessar que a vitória não foi completa.
Muitas coisas peguei na mão e , sentimental, devolvi ao
armário para um segundo momento, sabendo que ali havia algo mais do que papel.
Sim, guardei para depois.
Aguardo novas chuvas.
O que para mim foi puro deleite pode lhes soar como um
disparate.
Defendo meu direito : Cada louco com sua mania!
E tenho dito!!
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