Há pouco, nem tão pouco assim, três meses, fez um ano que estou nesta casa.
Casa é maneira de dizer lar.
Meu lar é longe do chão, décimo primeiro pavimento, apartamento de bela vista, amplos espaços, alguns ainda, pasmem!, sem destinação definitiva.
A mudança foi rápida, intempestiva, descontrolada, como são todas, segundo minha descoberta, ou destino.
Houve uma pequena reforma com a generosa, valiosa e imprescindível ajuda da amiga arquiteta de plantão.
Equipe convocada, super dicas, fornecedores, todos a postos , ao alcance de um toque de celular da patroa arquiteta.
Fez-se o que se pode fazer, as sujeiras e barulhos mais graves.
Ficaram para depois os detalhes.
A mudança entrava pela porta da cozinha enquanto os pintores terminavam de dar a última demão de tinta na sala.
De lá para cá tudo foi lento, e continua sendo.
Ainda há caixas de desusos para serem abertas e reavaliadas.
Os móveis no lugar, as poucas, e mais necessárias, aquisições feitas.
A limpeza do chão, a colocação dos tapetes, só conseguida no verão e apreciada agora neste inverno. As cortinas, adornando as vistas, brincando com o sol, vedando a luz, tornando as janelas ciliadas.
Os quadros, os nobres, alocados pela gentil amiga profissional, que orientou quanto ao alinhamento, aos tipos, agrupamentos a seguir com as demais obras.
Mas foi há pouco, bem pouco mesmo, que fiz uma coisa, certamente condenável pela arquiteta, mas que tornou meu espaço neste lar, realmente meu.
Coloquei os quadros restantes, alguns deles, no meu escritório, do meu jeito imperfeito e afetivo.
Meu escritório, que considero agora meu local de trabalho, é uma continuação do espaço de convívio, sala de estar e jantar, portanto parte da ala social da casa.
Cansei de ficar isolada no "quartinho" de empregada, como era antes.
Bem, locais de trabalho são de trabalho, com sua desarrumação típica de ação.
O meu não é diferente e parte do meu trabalho é feito organizando a bagunça nossa de todo e cada dia.
Se a visita chega, e é de cerimônia, fecho a porta que divide os ambientes.
Se é de casa, ficará contente por me ver assim feliz entre meus afazeres e pertences.
O fato é que a colocação dos quadros na sala de trabalho, fez toda a diferença.
Minha casa me abraça quando eu chego, sorri, até gargalha e renova minhas lágrimas de emoção em cada moldura, com seus particulares e íntimos saberes.
Ainda há o que fazer, desconfio que sempre haverá, mas minha casa, agora é meu lugar.
Lugar onde gosto de chegar , de estar, onde ando no escuro, pois sei seus caminhos e que tem um recanto especial, com as minhas coisas, que me acolhe e sussurra em meus ouvidos as palavras mais doces.
Recanto dos quadros tortos e díspares, papéis em pilhas, livros por toda parte e mimos, pequenos objetos insignificantes com seus valiosos significados, plantado no coração da casa, ao alcance visual da porta de entrada, com uma janela de vista privilegiada, onde o sol nasce em espetáculos de cor e formas, os verdes multitonais mudam e aceitam coloridos, conforme a estação, e a lua, a andarilha celestial, vem dar seu "olá" no início da jornada.
Dalí a cidade se estende, pontilhada de luz, lentificando o movimento rumo ao silêncio, trilha sonora das madrugada daqui.
Dos meus domínios, eu, rainha em confortáveis rotos, aprecio a solidão insone e rejo consertos infinitos até o trinar do primeiro pássaro.
É assim que, feliz, vivo.